O bandeirante da língua e o Iauaretê

Digestão agônica do modernismo paulista em Guimarães Rosa

Autores

  • Maurício Ayer

DOI:

https://doi.org/10.29146/eco-ps.v28i3.28579

Palavras-chave:

Modernismo e bandeirantismo, Revista de Antropofagia, Indianismo modernista na literatura brasileira, Modernização conservadora, João Guimarães Rosa

Resumo

O processo de modernização conservadora e excludente do Brasil encontra um contraponto crítico na obra de João Guimarães Rosa, que procurou narrar a nação a partir de suas margens arcaizantes sertanejas, figuradas ao mesmo tempo como resistência e fronte do avanço do impulso colonial sobre terras ainda não incorporadas. Se o modernismo paulista de 1922 exaltou o bandeirante e procurou cantar-se como herdeiro de seu “espírito” expansionista e conquistador, em acorde com a elite cafeeira que o financiou, em 1928 o movimento reverte essa perspectiva, buscando, em contradição, identificar-se com o silvícola metamórfico “sem nenhum caráter” (Macunaíma) e o “índio” antropófago (Manifesto), de modo a recolocar o problema nacional em bases, talvez, opostas. “Meu tio o Iauaretê” (1961), neste contexto, parece tomar os motes de 1928 (recenseáveis na primeira dentição da Revista de Antropofagia) como uma espécie de programa a ser deglutido crítica ou até mesmo agonicamente, colocando-o em confronto com a modernização bárbara que calava oculta no projeto original do modernismo. Diante deste cenário, este artigo investiga a hipótese que lê o conto rosiano como uma tradução de um Brasil como fronte de guerra – ou como zona fronteira em guerra –, alegorizado na cena de um confronto fundante entre o jagunço (ponta de lança do sistema proprietário) e o onceiro onçado (que transiciona de matador a parente de onças, ou seja, de “inútil utilizável” a ameaça a ser dizimada). O sentido dessa agonia é o tensionamento da fronteira tanto exterior – que opõe o desonçamento e desindianização da terra à resistência de onças e indígenas – quanto interior – no movimento entre a turvação e a nitidez do pertencimento solidário ao universo diferencial do todo-mata.

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Publicado

18-12-2025

Como Citar

Ayer, M. . (2025). O bandeirante da língua e o Iauaretê: Digestão agônica do modernismo paulista em Guimarães Rosa. Revista Eco-Pós, 28(3), 316–344. https://doi.org/10.29146/eco-ps.v28i3.28579