A Improvisação e a Criatividade na Dança do Ventre: uma análise sob a ótica da individuação de Simondon
DOI:
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i1.8647Abstract
Num espetáculo de dança, é comum vermos coreografias previamente ensaiadas e movimentos que são fruto de improviso. Nesse caso, o ato de improvisar é visto como algo realizado sem planejamento, às pressas, implementado de maneira repentina. Dessa forma, é muito corrente e normal, no dia a dia, relacionarmos o improviso à ação de realizar algo sem uma preparação prévia, sem uma organização antecipada, de “qualquer maneira”, ou, mais frequentemente, como uma opção mais viável do ponto de vista do tempo disponível para a solução de um problema, como algo capaz de consertar algo que deu errado ou que não saiu como esperado. Em outras palavras, o ato de improvisar ocorreria quando algo que foi programado e esquematizado saí do controle e não dá certo. Assim, o improviso processa-se como possibilidade emergencial, não sendo, porém, uma obstinação ou um desejo. Na arte e, especificamente, na dança do ventre, foco deste artigo, a improvisação refere-se a uma inspiração de ocasião, capaz de trazer ao corpo movimentos repletos de informações produzidas no “aqui e agora”. A dança do ventre, por força dos seus movimentos coreográficos e das suas técnicas de aprendizagem, pode ser analisada à luz do ato de improvisar, que é praticado por suas bailarinas em suas performances artísticas durante o espetáculo. Nesse sentido, a improvisação seria vista como um processo de criatividade na dança por permitir um maior conhecimento e exploração do corpo da bailarina, das suas potencialidades, através de atividades e de exercícios de expressão de emoções, os quais “desvendam” à bailarina as diversas possibilidades de movimentos corpóreos. O tratamento da improvisação sob essa perspectiva permite-nos relacionar o ato de improvisar ao conceito de individuação de Gilbert Simondon. Para o autor, a individuação faria surgir não somente o indivíduo, mas a dupla indivíduo-meio. Nesse caso, o indivíduo seria entendido como aquele em que ocorre uma “repartição do ser em fases, que é o devir” (SIMONDON, 2005[1958]). No tocante à dança do ventre, poderíamos considerar que a bailarina, em cada ato de improviso, ficaria defasada em relação a si mesma, o que seria justamente o processo de devir, haja vista que a cada tentativa e testes, com seu corpo, com seus sentimentos, nos seus movimentos coreográficos, surgiria uma “nova bailarina”, um reflexo do processo de individuação. Dessa maneira, é crucial a análise do conceito de individuação, proposto por Simondon numa dimensão mais ampla, na qual este pode ser relacionado à (re) criação da bailarina no momento em que ela se propõe a utilizar o improviso em sua dança, criando uma nova bailarina a cada apresentação. Deve ressaltar, no entanto, que o processo de individuação não esgota em si todos os potenciais da realidade pré-individual, uma vez que a bailarina continuará sofrendo o processo de individuação constantemente. Em outras palavras, no processo de improvisação, a bailarina, ao aprender e reaprender a todo momento, ao descobrir novas possibilidades e pontenciais para cada parte de seu corpo, apresenta a gênese do processo da individuação, que seria a natureza, ou melhor, estaria ligada a nossa natureza mutante, que está em constante processo de diferenciação.
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